quinta-feira, 26 de abril de 2012

Molhada

Instantes após todo meu exercício em centralizar o querer perdido, A necessidade despropositada... Alguns míseros instantes depois desse necessário conter de desejo, Desse lampejo da improbabilidade passional em que me meti, Veio a Chuva. A Chuva grossa e deselegante, Ensurdecendo meus pensamentos cheios de sofismo alegóricos. Ela veio cheia de estrondos, Como que fosse a própria Deusa Mandante e ditadora em mim. E veio para encharcar, Para atolar (na lama, Na trama, Na cama) o pé da minha branca-idônea vida atual. Veio com cara de militar, Com jeito de fascista secular, Mas também veio com um intuito sacana, Despudorado, Cheia de intenções em me molhar, Em deixar à riste meu corpo frágil E trémulo E rígido E pálido de tanto me encharcar pelos meios e, com o proposital fim de se gozar de mim! Veio toda me tocando, Me desnudando sem me despir, Me fingi-despindo com o roçar repentino de sua Língua úmida sexo-pluvial. Logo já estava se sorrindo, Me tocando em meio as coxas, Que ali, Já eram inteiras de se tocar. E naquela bobeira inicialmente tímida, Nos vimos uma dentro da outra E ela toda dentro da minha... Minha calça já molhada, Indistinta do tecido industrializado e o tecido humano, E Ela, Me arrepiando dizia: "- Ascende um cigarro, Toca com a língua a fumaça, A noite, A vida, Me entorna na boca a saliva, Eu, toda desprendida e despendida do alto, Do caos, Do céu brilhante, Nuvem, Vento, Caída e escorrida no rêgo de cada curva sua, Distorcida." E então veio a Chuva, Toda me invadindo a calmaria.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O nome da cidade era Esperânzoa

Ele se encontrava ali, parado e com a cara amarrada de sempre, mas o olhar... o olhar estava mais distante do que de costume. Então Flor passou, passou com o passo manso e desgarrado do andar típico dos humanos, ela ia como que flutuando, e se sentindo, acima de tudo, dona do mundo.
Os dois cruzaram olhares. Ele de olhar caído e ela de olhar destemido e atrevido! Flor perguntou a Dionízio o que havia lhe perturbado, afinal, aquele olhar não era o que ele costumava carregar nos fins de tarde de Esperânzoa. Ele, muito sem querer, deixou escapar aquele suspiro que é típico dos desenganados, ou melhor, dos recém-desenganados, por que os que já conhecem essa arte maldosa do desengano, já deixaram de respirar há tempos. Então, como criança que descobre algo aterrador há pouco, ele enche o pulmão e nada além do seco ar lhe sai da boca. Flor, para tentar facilitar, o pergunta: "- Dionízio, tem algo que eu possa fazer pra lhe ajudar?" Ela, essa tal Flor, cheirosa, apaixonada por si, por seus ímpetos, por sua poesia, por sua beleza desafiadora e por seu caráter meta-humano, ela perguntou se poderia ajudar Dionízio. Ela era tão forte, tão dona de si, que nunca, nunca vira nenhum mal em oferecer seus fortes ombros para o consolo dos possíveis acovardados que poderiam passar pelo seu caminho. E ele? Ele quis cheirar a boca de Flor, quis encostar os dedos nas entranhas de Flor, quis lamber o sexo moderninho de Flor com todo o despudor possível para que ela, ela tão certa da coragem, visse que o medo assombrava todos que ofereciam ajuda. O medo infiltrava pelos poros àqueles que eram sólidos o bastante para não se esfarelarem com a dor de alguém que tinha os olhos distantes, para não se dissiparem com a dúvida do querer existir, para ao menos trazerem a boca seca pela eternidade depois de ouvirem o que Dionízio tinha no coração: dúvida, Flor, dúvida entre ser amor ou dor. Dúvida, Flor, entre a rima ou o rancor bruto e sem ritmo. Dúvida, Flor, entre o futuro esperado ou o presente cheio de artifícios deliciosos e que envenenam a alma sadia mas doente pela forçada cegueira do comodismo. Dúvida, Flor, dúvida!