"Na maior parte das vezes, uma ideia nova não passa duma banalidade, velha como o mundo, de cuja realidade nos apercebemos subitamente." Arthur Schnitzler
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Molhada
Instantes após todo meu exercício em centralizar o querer perdido,
A necessidade despropositada...
Alguns míseros instantes depois desse necessário conter de desejo,
Desse lampejo da improbabilidade passional em que me meti,
Veio a Chuva.
A Chuva grossa e deselegante,
Ensurdecendo meus pensamentos cheios de sofismo alegóricos.
Ela veio cheia de estrondos,
Como que fosse a própria Deusa
Mandante e ditadora em mim.
E veio para encharcar,
Para atolar
(na lama,
Na trama,
Na cama)
o pé da minha branca-idônea vida atual.
Veio com cara de militar,
Com jeito de fascista secular,
Mas também veio com um intuito sacana,
Despudorado,
Cheia de intenções em me molhar,
Em deixar à riste meu corpo frágil
E trémulo
E rígido
E pálido de tanto me encharcar pelos meios e, com o proposital fim de se gozar de mim!
Veio toda me tocando,
Me desnudando sem me despir,
Me fingi-despindo com o roçar repentino de sua Língua úmida sexo-pluvial.
Logo já estava se sorrindo,
Me tocando em meio as coxas,
Que ali,
Já eram inteiras de se tocar.
E naquela bobeira inicialmente tímida,
Nos vimos uma dentro da outra
E ela toda dentro da minha...
Minha calça já molhada,
Indistinta do tecido industrializado e o tecido humano,
E Ela,
Me arrepiando dizia:
"- Ascende um cigarro,
Toca com a língua a fumaça,
A noite,
A vida,
Me entorna na boca a saliva,
Eu, toda desprendida e despendida do alto,
Do caos,
Do céu brilhante,
Nuvem,
Vento,
Caída e escorrida no rêgo de cada curva sua,
Distorcida."
E então veio a Chuva,
Toda me invadindo a calmaria.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
O nome da cidade era Esperânzoa
Ele se encontrava ali, parado e com a cara amarrada de sempre, mas o olhar... o olhar estava mais distante do que de costume. Então Flor passou, passou com o passo manso e desgarrado do andar típico dos humanos, ela ia como que flutuando, e se sentindo, acima de tudo, dona do mundo.
Os dois cruzaram olhares. Ele de olhar caído e ela de olhar destemido e atrevido! Flor perguntou a Dionízio o que havia lhe perturbado, afinal, aquele olhar não era o que ele costumava carregar nos fins de tarde de Esperânzoa. Ele, muito sem querer, deixou escapar aquele suspiro que é típico dos desenganados, ou melhor, dos recém-desenganados, por que os que já conhecem essa arte maldosa do desengano, já deixaram de respirar há tempos. Então, como criança que descobre algo aterrador há pouco, ele enche o pulmão e nada além do seco ar lhe sai da boca. Flor, para tentar facilitar, o pergunta: "- Dionízio, tem algo que eu possa fazer pra lhe ajudar?" Ela, essa tal Flor, cheirosa, apaixonada por si, por seus ímpetos, por sua poesia, por sua beleza desafiadora e por seu caráter meta-humano, ela perguntou se poderia ajudar Dionízio. Ela era tão forte, tão dona de si, que nunca, nunca vira nenhum mal em oferecer seus fortes ombros para o consolo dos possíveis acovardados que poderiam passar pelo seu caminho. E ele? Ele quis cheirar a boca de Flor, quis encostar os dedos nas entranhas de Flor, quis lamber o sexo moderninho de Flor com todo o despudor possível para que ela, ela tão certa da coragem, visse que o medo assombrava todos que ofereciam ajuda. O medo infiltrava pelos poros àqueles que eram sólidos o bastante para não se esfarelarem com a dor de alguém que tinha os olhos distantes, para não se dissiparem com a dúvida do querer existir, para ao menos trazerem a boca seca pela eternidade depois de ouvirem o que Dionízio tinha no coração: dúvida, Flor, dúvida entre ser amor ou dor. Dúvida, Flor, entre a rima ou o rancor bruto e sem ritmo. Dúvida, Flor, entre o futuro esperado ou o presente cheio de artifícios deliciosos e que envenenam a alma sadia mas doente pela forçada cegueira do comodismo. Dúvida, Flor, dúvida!
Assinar:
Postagens (Atom)