quinta-feira, 24 de março de 2011

Nos anais do(s) meu(s) ser(es).


Comecei a me fazer mulher aos 7.
Aos 9 me permiti criança por 3 semanas e meia.
No nascimento roubei 31 anos de uma barriga rasgada, dilacerada, uma desde de então: não barriga.
Sonharam-me aos 4 meses de gestação como uma aos 8.
Aos 15 roubei também a incompetência masculina de meu pai, 42 anos de experiência na frustração.
Com 16 havia em mim o triplo de mim, então com 16 fiz tudo que me cabia como uma de 48.
Aos 20 senti-me minha avó, 84 de pura certeza da maturidade.
21 me fiz calculadamente real e equivalente à minha recém maioridade forçada: não sabia exatamente o que ser.
22, jogaram-me de fórceps no trivial-real, eu era 1 querer-não-existir.
No mesmo 22 acabei tornando-me 45 e logo 51.
22+23+6= Eu era mais ela e mais ele, e me vi tão tudo que se extrapolou o possível de se caber em mim.
E aos 23 não sei me somar,
Mas porcamente posso dizer que: em mim são infinitas-idades-eu.
E para os lógicos: 31+4meses+8+42+48+84+51= 264 e 4 meses.

sábado, 12 de março de 2011

Dilacerada borda da linha


Eles.
Eles todos tinham unhas _ alguns, faltava os dedos _
Unhas e gestos nas mãos.
Não tinham feições e nem lhes ocorria idéias ou contradições.
Eram muito sem cor e o convencional era: não ser!
Nunca foram tolos, pois nenhum esperto havia servido de comparação experimental de comportamentos psicológicos.
Havia alguns pontos em comum:
- a boca semi-aberta com dois dentes saídos do meio do céu-da-boca.
No céu-da-cabeça, cada um tinha uma peculiaridade:
- doze milhões dos que vi tinham uma tampa ‘inabrível’ e um chumaço de palavras intraduzíveis;
- sete mil deles tinham uma cartola invisível cheia de truques previsíveis;
- nove não tinham nada e quatro: tudo!
Eram trípedes, mas moviam-se sobre uma única perna, logo, se deslocavam saltitando, todos para uma única direção, mas cada um em um sentido meio torto, meio ao avesso.
Pegavam furacões e tornados com as dobras dos pés, aqueles dois pés que flutuavam e não eram úteis para caminhar. Plantavam sementes com os olhos e cuspiam adubo humano.
Sentiam prazer, muito prazer quando estimulados em sua única costela – que se localiza à direita do ombro esquerdo- e também se alegram ao mastigar pragas – gafanhotos sempre os fazia salivar-.
De tão monogâmicos matavam todas as suas fêmeas e comiam e vomitavam seus pedaços. A cada dia, as reconstruíam de forma diferente. A disposição dos membros a cada vômito noturno delineava a nova forma a ser formada então.
E eles (somente eles) tinham o sopro da vida e só sopravam quando os pássaros morriam.
Gostavam de cultivar grãos e plantas de folhagem amarelada. Nunca souberam o porquê.
Tinham uma auto-crítica aflorada, tão aflorada que, quando não satisfeitos com eles, arrancavam o único olho e o posicionava em suas próprias cloacas.
Todos que conheci: - os sete milhões de tampas ‘inabríveis’;
-os sete mil com cartolas invisíveis;
-os nove que não tinham nada;
- os quatro que tudo tinham,
Todos andavam sem calça, com passo invertido e de cloaca bem aberta para enxergarem e não tropeçarem no próximo buraco do caminho.

terça-feira, 8 de março de 2011

Castanholas e barbantes de inverno


Era tudo orquestrado... o baticum do seu coração-banda acelerava com a chegada do fim. Era aquele misto homogêneo: se é bom é boa coisa, se é mau, boa coisa seria também. Ela havia decidido reformular, reaver, reinventar tudo, sem se ligar se eram coisas pré-determinadas pela sua razão, pela emoção, pelo senso comum que ela vinha matando há dois meses.
Mesmo assim ela se surpreendia com seu novo ar de assassina-de-si... mas era pra renascer, pra desfazer a repulsa do prefixo “re”.
Havia decidido não decidir as nomenclaturas de seus sentires... não queria nome e nem sobrenome e nem acariciar as mortes que ela trazia sempre tão vivas em sua cachola penetrável.
E vinha se divertindo... com os mosquitos, vestígios de putrefações sentimentais, recém querências tão para o núcleo, tão dentro, dela para ela.
Até sonhou ter saltado de um prédio, mas dessa vez havia amarras que a balançavam como o voar de uma borboleta de asas furadas.
Estava experimentando, sem peso, sem a sensação de querer o novo por não suportar o antigo, estava radiante, com olheiras tão vívidas que viraram ponto de partida para elogios brandos.
Sem dar-se conta, lá estava ela toda nua ao meio-dia pronta para a meia noite de todas as noites que viriam. Estava resplandecente, de uma brancura divina e peculiar aos santos.
Aí veio deus, que a tocou e tornou-se bege, envergonhado... mas ela o abraçou e resolveu perdoá-lo, mandou-o colocar-se de pé.
Como era libertador ser assim, tão segura da sua própria salvação. Recebeu até convites para ser a nova salvadora da humanidade... mas não era tempo de se dar a modas enfadonhas. Ainda sim, agradeceu.
E nessa ela viajou, aprendeu o silêncio puro e não o punitivo que já gritaram a cusparadas em sua fronte (antes própria para escárnio).
Agora ela “antropofagiava” a si, e crescia e crescia em velocidade inteligível-filosófica... era na idéia, era na dita alma.
Bloqueou-se com a boca fechada, inalava o antigo, o mofo, o perdido para reciclagem em sua máquina-perfeita-corpo, e logo, baforava verão, primavera e outono. Tão bonito aquele regurgitar que ela tapava a boca por segundos para gozar das estações em sua língua.
Grande, muito grande ela se tornou, tão grande que não viam além de suas genitálias. Já não sabiam a cor de seus olhos.