sábado, 23 de outubro de 2010

Ontem



E era hoje o dia!
Dia que eu havia resolvido me romper:
Romper com toda aquela babaquice que se vê por aí, dessas juras que não se consegue manter, desse cinismo que me apresentam como boa música... Era hoje o dia! O dia que eu me libertaria da cerveja com gosto de resolução pelo abandono sutil, iria sacanamente arrumar a cama apenas por que era isso que eu queria, era assim que eu gostava... e faria meus pratos com muito orégano, como já aprendera,no mínimo, há 30 anos atrás.
Mas que bobeira! Se toca "bonitinha", não há reconhecimento na inércia, não há inércia em você por falta dele. Você já se esqueceu? É... tenho um pequeno problema: vivo tanto agora, que evacuo o vivido a segundos atrás... deve ser problema intestinal mesmo, que venha o endocrinologista então!
Era hoje que eu decidira parar de forçar a barra, de lavar a cara para parecer tão melhor do que sou! Resolvi fechar os ouvidos, tampar as entradas que dão acesso direto àquela minha dor.
Mas que respeito? Respeito ninguém me deve! E se torna claro a cada dia em que gente se torna gente! Não! Não estou brava e nem decepcionada, mas hoje era o dia! Dia de deixar de lado essa bobeira desesperada que chamamos de futuro, dia de olhar para o lado e ver a mim! Dia que a culpa não me afeta, e que sigilosamente consigo um sorriso destoando com tudo que não acredito. Mas verdade pra quê?
Cansei daquele lirismo babaca, cheio de sentimentos enrustidos e que pensei que todos captariam ao ler o que estava em minha cara! Não! Aprendi que meus olhos não transparecem minha alma! E como vale 78 oito palavras porcamente representadas em uma noite propícia para se fuder com meu bom humor rotineiro, e vale também se embasar no tal temido “não dito”.  Repito: mas verdade pra quê?!
Ah... você quer saber?? Pra merda essa coisa toda de querer! Só é o que de fato é, por ser! Querer, definitivamente não quero mais! E mais! Ainda juro reaver coisas no meio do caminho, que perdi por querer. Querer o quê? Fica esperta, menina, ninguém tem nada pra te oferecer! E nem você pra ofertar! Essas iguarias que pairam na sua mente, você não pode dar! Não existem! Você se esqueceu? Não existem!.
E era hoje o dia! Quantas horas são?
Só juro uma coisa, piegas e boba: vou acreditar em qualquer mentira que você contar... então conte com muito cuidado, por que se falar que me ama, que me odeia, que não sabe ou que não há, acreditarei desmedidamente e sem questionar.

Nostalgia a beira-morte



Agora, o que eu mais quero, é chamar aquele fulano, aquele com o suporte de soro, com calça moleton e brincos nas duas orelhas. Quero chamá-lo para que ele, amigavelmente me dê um trago!
Não! Eu não seria capaz!
Primeiro: por que eu não o conheço.
Segundo: pela minha incapacidade pulmonar.
Terceiro: pela tal bacteria desconhecida que pode matá-lo.
Bom talvez o primeiro motivo, anule o terceiro! Não o conheço, talvez possa matá-lo, afinal, quem está aqui já está à beira.
O que eu sei é que aqui, tudo fede bosta! Até eu que não "evacuo" (obrigada pela gentileza, Dr. Thiago), desde que cheguei, tenho esse cheiro impreguinado.
É bosta com antibiótico e éter, para dar o tempero final.
Os dias se arrastam e as noites vêm regadas a dor e a alguns delírios provenientes dos remédios venosos.
Já me sinto quase em casa, com meu cobertor, travesseiro de plástico, enfermeiras 12 por 36 (uma delas muito me agrada!) e o chinelinho arrastando pelos corredores.
Sei que quero ir embora (na verdade, não sei). Já surtei, chorei, recebi amigos (alguns não me cabiam), pais, ex e gastei tudo o que eu podia com o telefone.
Já lambi ou bebi muita comida de hospital e, hoje, pela primeira vez, fiquei feliz em ver aquela bandeja verde e bege: arroz, feijão e bife! Sólidos! Sim!!! Engoli! Com muita dificuldade, mas engoli!
Quatro dias sem mastigar! Acabou? Não. Ainda viriam as intoxicações, as pré-mortes, e os suicídios que eu me causaria.
Sei que nas horas vagas (todas!) nem repudiei a vida. Parei para refletir 2 vezes. Uma sobre: "de onde vem esse cheiro?" E outra sobre a minha vida.
No mais assisti Simpsons e comédias burras triviais.
Trouxeram, furtivamente, vários danoninhos... pra variar, passei mal! Comi-os escondida no banheiro, mas durou menos de 15 minutos no meu estômago. Lá estava eu chamando a enfermeira para me ajudar a levantar e ir ao banheiro... mas pedi para aplicar um remédio para amenizar a dor de garganta, afinal o esforço proveniente do vômito era cruel demais pra mim. 
Hoje comi chocolate e uns 5 cebolitos cedidos por Antônia ( a senhora que operou o intestino e estava tendo algumas reações bem barulhentas!).
Enviei muitas mensagens e recebi boas respostas.
Envolvi ainda mais alguém na minha vida, e não sei até onde isso é correto.
Falei sem poder e quis arrancar meu pescoço inteiro.
Agora já estou bem, quase anestesiada pelo meu não movimento.
Quiseram me dar banho... mas não funcionou! Me banhei sentada na cadeira fria de metal. Chorei durante todo o banho, a água não esquentava.
Não! Não que eu goste da vida, mas se tenho que viver, que pelo menos a dor física  não seja tão eminente.
Não me importo em arrumar subterfúgios para uma vida quase digna disfarçada de boa.
E o primeiro passo é evitar a dor física! Com as outras dores eu me lasco e me conserto.
Bom, vou-me deitar, assim a noite passa rápido e logo chega a melhor parte: banho matinal (ou algo que nomearam de banho... por que não é tão higiênico assim.).
Espero ir embora amanhã... mas, eu estava esperando por isso ontem também... e há três dias atrás essa era minha esperança... e quando eu entrei nem sabia que eu deveria esperar tanto.



                                                                                       (Maio de 2009... (in)Felizmente: Sobrevivi!)

Depósito de parasitas sociais

           Era um homem... com pernas, braços, cabeça funcional e provavelmente algumas idéias possuía.
           Era exposto, "intro-ativo" (a não ser por sua função cristã de hospitaleiro do mundo!), tinha alguns dentes que ainda o proporcionavam uma mastigação razoável.
           Falava com entonação de guerreiro e guerriava com os ratos por território.
           Era um João-De-Todo-Mundo.
           Fedia muito menos do que os olhares que recebia, e guardava em seu "corpo de pandora" todas as boas desgraças da vida.
           Servia de ponto de referência:
           "Tá vendo, meu filho, agradeça à Deus por ter uma família!".
            Deve ser bom não passar desapercebido, o que deve doer é a falta de senso dessa caridade bandida.
            "Aqui, meu senhor, um pãozinho, um dinheirinho, um pouquinho da indulgência que paga por mês...".
            E foi aí que eu entrei nessa história, com meu "olhar-de-tudo-mundo" e o com um texto pra ninguém.





                                                                             Texto escrito em 2006, enquanto eu passava pela Santos
                                                                              Dumont...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quatro minutos

Tudo que lhe faria diferença naquela noite, era o peso do ar em uma madrugada úmida e quente, que o fazia remexer o na cama.
Levantou-se, foi à janela, refletiu sobre as horas de sono que não poderia perder.
Estava instintivamente agressivo e teve um impulso de arremessar todos os copos, taças, pratos nas paredes da cozinha... conteve-se.
Já trazia na mão esquerda a cicatriz de um copo quebrado por ele, trazia o barulho da porta do guarda roupa arrancada pelo seu chute, trazia nos braços, pernas, tronco, todo o preparo de um corpo prestes a se jogar para um ataque.
Lembrou-se que quando criança cegou um colega com uma pedra e que pensara em arrancar o dedo maldoso de seu tio.
À noite doía sua nuca e o suor era inevitável. Estava com aquela sensação de extermínio, e tudo começava com um processo interno: tonteira, vistas escuras, calor nas pálpebras, estômago comprimido e mãos tão leves que vezes nem as sentia.
Imaginava que tudo iniciava-se com uma morte dele mesmo e depois já não fazia diferença sair atirando pra qualquer lado: ponta-pés, socos, frieza, indiferença... nunca daria ao mundo o que o próprio mundo não houvesse lhe apresentado.
Riu. Riu por sempre pensar a mesma coisa: "Nascer, para mim, já é um ato cruel de egoísmo."
Riu por saber que ninguém nunca saberia.
Riu porque era inútil a dor, o riso.
Riu porque era absurdo ter nascido para definhar.
Sentiu as pernas tremerem e toda sua fortaleza direcionada milimetricamente por todo seu corpo explodiu em uma fadiga física que o impedia de se manter de pé.
Era tudo tão calado... Queria ferir o mundo da mesma forma que o mundo o feria.
Queria o mundo ali, de quatro, no chão sujo.
Há muito ele já vinha se matando...
Não se alimentava, repeliu os exercícios físicos, fumava todo o câncer industrializado das bancas de jornais, perdera alguns dentes, cheirava tão mal suas feridas que vezes até ele se sentia incomodado.
Andava madrugadas à fio atrás de uma bala perdida, mas no máximo o surraram na porta de um bar e levaram o seu calçado.
Seus filhos e esposa já havim ido embora. Com partidas ele se dava bem. Era tão indigno que fez com que todos partissem com a idéia de ter feito tudo o que era capaz de se fazer por ele.
Já não tinha dúvidas. Tudo era muito certo.
Tinha certeza da inutilidade. Isso limpava sua barra, suas lágrimas, sua culpa. Sabia da incapacidade humana em salvar alguém, sabia de sua própria incapacidade.
Colaboração para ele, nada mais era do que não-completude.
Ele só se aceitaria como deus! E isso ele não era, não acreditava e nunca vira.
Fora muito dado à arte para embelezar a feiura do universo... mas como disse, colaboração para ele era assinar o atestado de HUMANO, e humano era o que ele despresava ao extremo.
Não se engane, ele não tinha dó de si ou de qualquer outro. Era tudo muito certo, muito científico para ele. Era daquela ciência incontestável, era daquele "existir" sem peso de valor.
O que ele avaliava era que existia o Fim. Fim inevitável e total, Fim quase sinônimo de esquecimento, Fim que o fizera todo desapego.
Sabia que suas reflexões tinham esse Fim ali: no chão sujo, em sua mente intransponível, em seu calejado "não querer", em seu próprio esquecimento.
Riu novamente.
Riu por todo sentimento findável e oscilante que ele tinha.
Riu porque sentiu uma tremenda vontade de lhe dar um abraço de incompreensão.
Riu porque tudo que acontecera naquela úmida noite quente, durou apenas quatro minutos.
Riu porque quatro minutos era insignificante diante do Fim inevitável e total que ele acreditava.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma bobeira qualquer... de quando se oferta uma alma



Desenhei em um papel colorido toda minha falta de habilidade em desenhar...
Mas escancarei o que me é tão peculiar: amar sem restrições tudo o que é você.
Estanquei o meu "vazar-de-alma" para preservá-la e entregar-me sem restrições...tudo para que eu fosse sua,da melhor e da pior forma que sei ser.
Foi ali que eu cuspi meu tão pequeno infinito.
Foi sendo que me permiti ser sua: cruamente, severamente e as vezes tão d-o-i-d-a mente.
Foi quando eu te beijei pela primeira vez,
Foi quando eu roubei sua alma pela boca,
Foi quando toquei-a em verdade,
Foi quando suguei seu sexo egoistamente para meu prazer,
Foi quando a matei para que fosses minha,
Foi quando morri para ser sua.
E meu maior triunfo foram as restrições prazerosas que você fez para ser um "toda-tudo-meu".
Que mal há anulações para a entrega total do que se é? Não há paradoxo, não cabe em nós.
E se fores rasgar,
descartar,
ignorar,
expelir...
Devolva o que te dei à mim,
para que de novo eu me refaça e oferte-me como sua,
sua escrava,
morada,
anfitriã,
sua,
toda-sua.