quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quatro minutos

Tudo que lhe faria diferença naquela noite, era o peso do ar em uma madrugada úmida e quente, que o fazia remexer o na cama.
Levantou-se, foi à janela, refletiu sobre as horas de sono que não poderia perder.
Estava instintivamente agressivo e teve um impulso de arremessar todos os copos, taças, pratos nas paredes da cozinha... conteve-se.
Já trazia na mão esquerda a cicatriz de um copo quebrado por ele, trazia o barulho da porta do guarda roupa arrancada pelo seu chute, trazia nos braços, pernas, tronco, todo o preparo de um corpo prestes a se jogar para um ataque.
Lembrou-se que quando criança cegou um colega com uma pedra e que pensara em arrancar o dedo maldoso de seu tio.
À noite doía sua nuca e o suor era inevitável. Estava com aquela sensação de extermínio, e tudo começava com um processo interno: tonteira, vistas escuras, calor nas pálpebras, estômago comprimido e mãos tão leves que vezes nem as sentia.
Imaginava que tudo iniciava-se com uma morte dele mesmo e depois já não fazia diferença sair atirando pra qualquer lado: ponta-pés, socos, frieza, indiferença... nunca daria ao mundo o que o próprio mundo não houvesse lhe apresentado.
Riu. Riu por sempre pensar a mesma coisa: "Nascer, para mim, já é um ato cruel de egoísmo."
Riu por saber que ninguém nunca saberia.
Riu porque era inútil a dor, o riso.
Riu porque era absurdo ter nascido para definhar.
Sentiu as pernas tremerem e toda sua fortaleza direcionada milimetricamente por todo seu corpo explodiu em uma fadiga física que o impedia de se manter de pé.
Era tudo tão calado... Queria ferir o mundo da mesma forma que o mundo o feria.
Queria o mundo ali, de quatro, no chão sujo.
Há muito ele já vinha se matando...
Não se alimentava, repeliu os exercícios físicos, fumava todo o câncer industrializado das bancas de jornais, perdera alguns dentes, cheirava tão mal suas feridas que vezes até ele se sentia incomodado.
Andava madrugadas à fio atrás de uma bala perdida, mas no máximo o surraram na porta de um bar e levaram o seu calçado.
Seus filhos e esposa já havim ido embora. Com partidas ele se dava bem. Era tão indigno que fez com que todos partissem com a idéia de ter feito tudo o que era capaz de se fazer por ele.
Já não tinha dúvidas. Tudo era muito certo.
Tinha certeza da inutilidade. Isso limpava sua barra, suas lágrimas, sua culpa. Sabia da incapacidade humana em salvar alguém, sabia de sua própria incapacidade.
Colaboração para ele, nada mais era do que não-completude.
Ele só se aceitaria como deus! E isso ele não era, não acreditava e nunca vira.
Fora muito dado à arte para embelezar a feiura do universo... mas como disse, colaboração para ele era assinar o atestado de HUMANO, e humano era o que ele despresava ao extremo.
Não se engane, ele não tinha dó de si ou de qualquer outro. Era tudo muito certo, muito científico para ele. Era daquela ciência incontestável, era daquele "existir" sem peso de valor.
O que ele avaliava era que existia o Fim. Fim inevitável e total, Fim quase sinônimo de esquecimento, Fim que o fizera todo desapego.
Sabia que suas reflexões tinham esse Fim ali: no chão sujo, em sua mente intransponível, em seu calejado "não querer", em seu próprio esquecimento.
Riu novamente.
Riu por todo sentimento findável e oscilante que ele tinha.
Riu porque sentiu uma tremenda vontade de lhe dar um abraço de incompreensão.
Riu porque tudo que acontecera naquela úmida noite quente, durou apenas quatro minutos.
Riu porque quatro minutos era insignificante diante do Fim inevitável e total que ele acreditava.

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