segunda-feira, 9 de abril de 2012

O nome da cidade era Esperânzoa

Ele se encontrava ali, parado e com a cara amarrada de sempre, mas o olhar... o olhar estava mais distante do que de costume. Então Flor passou, passou com o passo manso e desgarrado do andar típico dos humanos, ela ia como que flutuando, e se sentindo, acima de tudo, dona do mundo.
Os dois cruzaram olhares. Ele de olhar caído e ela de olhar destemido e atrevido! Flor perguntou a Dionízio o que havia lhe perturbado, afinal, aquele olhar não era o que ele costumava carregar nos fins de tarde de Esperânzoa. Ele, muito sem querer, deixou escapar aquele suspiro que é típico dos desenganados, ou melhor, dos recém-desenganados, por que os que já conhecem essa arte maldosa do desengano, já deixaram de respirar há tempos. Então, como criança que descobre algo aterrador há pouco, ele enche o pulmão e nada além do seco ar lhe sai da boca. Flor, para tentar facilitar, o pergunta: "- Dionízio, tem algo que eu possa fazer pra lhe ajudar?" Ela, essa tal Flor, cheirosa, apaixonada por si, por seus ímpetos, por sua poesia, por sua beleza desafiadora e por seu caráter meta-humano, ela perguntou se poderia ajudar Dionízio. Ela era tão forte, tão dona de si, que nunca, nunca vira nenhum mal em oferecer seus fortes ombros para o consolo dos possíveis acovardados que poderiam passar pelo seu caminho. E ele? Ele quis cheirar a boca de Flor, quis encostar os dedos nas entranhas de Flor, quis lamber o sexo moderninho de Flor com todo o despudor possível para que ela, ela tão certa da coragem, visse que o medo assombrava todos que ofereciam ajuda. O medo infiltrava pelos poros àqueles que eram sólidos o bastante para não se esfarelarem com a dor de alguém que tinha os olhos distantes, para não se dissiparem com a dúvida do querer existir, para ao menos trazerem a boca seca pela eternidade depois de ouvirem o que Dionízio tinha no coração: dúvida, Flor, dúvida entre ser amor ou dor. Dúvida, Flor, entre a rima ou o rancor bruto e sem ritmo. Dúvida, Flor, entre o futuro esperado ou o presente cheio de artifícios deliciosos e que envenenam a alma sadia mas doente pela forçada cegueira do comodismo. Dúvida, Flor, dúvida!

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